
Porto Velho, RO – A recente decisão do governo dos Estados Unidos de impor uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros, com início em 1º de agosto, acendeu um forte sinal de alerta entre os produtores e exportadores de Rondônia. A medida, anunciada pelo presidente Donald Trump, tem o potencial de impactar severamente a economia do estado, que tem nos EUA um de seus principais parceiros comerciais, especialmente para produtos de alto valor agregado como carne bovina, café e madeira.
Em 2024, Rondônia exportou um total de US$ 130,99 milhões para os Estados Unidos, consolidando o país como um dos cinco maiores destinos de seus produtos. O estado, que se firmou como o terceiro maior exportador da Região Norte, com um volume total de US$ 2,64 bilhões em 2023. Agora enfrenta um cenário de incerteza. Os principais produtos na pauta de exportação para o mercado americano são a carne bovina, café, madeira e, mais recentemente, cacau e pescados como o Tambaqui.
Impacto direto na pecuária e no agronegócio
O setor da pecuária é um dos que demonstram maior preocupação. A Associação dos Pecuaristas de Rondônia (APRON) manifestou, em nota, que a sobretaxa ameaça desestimular todo o setor produtivo.
A aplicação da tarifa pode comprometer a competitividade da carne rondoniense, que vinha ganhando espaço no mercado norte-americano, um importante consumidor de carne premium.
Frigoríficos como a Minerva Foods, que possui uma unidade em Rolim de Moura habilitada para exportar carne in natura para os EUA desde o final de 2024, podem sentir o impacto diretamente. A habilitação de plantas frigoríficas no estado foi vista como um passo estratégico para acessar um mercado exigente e de alto valor. Agora, essa vantagem competitiva está sob risco, ameaçando empregos e investimentos em toda a cadeia produtiva, desde as fazendas até a indústria.
Além da carne, o café de Rondônia, que registrou um crescimento expressivo nas exportações, também será afetado. O estado tem investido na melhoria da qualidade do grão, o que ampliou sua aceitação no mercado internacional. A tarifa de 50% pode frear esse avanço, tornando o produto rondoniense mais caro para o consumidor americano e menos competitivo frente a outros fornecedores globais.

Contexto nacional e reações
A medida tarifária não é um fato isolado e se insere em um contexto de tensões comerciais. O governo Trump justificou a ação citando o que considera "práticas comerciais desleais" e questões políticas internas do Brasil. A decisão foi recebida com críticas por especialistas e entidades setoriais em todo o país, que a consideram desproporcional e baseada em fatores não econômicos.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) destacou que não há fundamento econômico para a medida e que cerca de 10 mil empresas brasileiras que exportam para os EUA serão diretamente afetadas. Economistas preveem que a tarifa pode reduzir o crescimento do PIB brasileiro e pressionar a inflação, uma vez que a dificuldade de exportar pode desvalorizar o real e encarecer produtos importados.
Para Rondônia, um estado cuja economia é fortemente impulsionada pelo agronegócio e que tem buscado diversificar suas exportações e parceiros comerciais, o desafio é duplo. Além de lidar com os entraves logísticos da região, os produtores agora precisam enfrentar uma barreira comercial que pode redefinir o fluxo de seus principais produtos e forçar uma busca por novos mercados para mitigar os prejuízos.

Análise: o fator político por trás da barreira comercial
A imposição da tarifa de 50% por Donald Trump não pode ser compreendida apenas sob a ótica econômica. Em carta enviada ao presidente Lula da Silva, Trump vinculou a medida diretamente a questões políticas, citando o que chamou de "ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e à liberdade de expressão". A justificativa faz referência direta a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contra plataformas de redes sociais e, principalmente, ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, classificado por Trump como uma "caça às bruxas" e uma "vergonha internacional".
Tensão Diplomática
A relação diplomática entre Brasil e Estados Unidos tem se deteriorado, culminando em atritos recentes que expõem divergências profundas. A postura de maior autonomia na política externa adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde o início de seu terceiro mandato, é um dos principais fatores por trás desse esfriamento.Lula tem priorizado o fortalecimento de laços com nações como China e Rússia, por meio do bloco BRICS, e adotado um tom crítico em relação a algumas políticas norte-americanas. Declarações questionando o domínio do dólar no comércio global e seu posicionamento em conflitos internacionais, como o embate entre Israel e o grupo Hamas, têm sido particularmente sensíveis. A percepção de um alinhamento com o Irã — um regime frequentemente acusado de graves violações de direitos humanos, muitas vezes ignoradas pela mídia internacional — também tem gerado desconforto, especialmente na ala republicana dos EUA.
Somam-se a esse cenário as críticas e ações do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial do ministro Alexandre de Moraes, em relação às Big Techs e à liberdade de expressão no Brasil. As recentes decisões do STF têm buscado responsabilizar as plataformas digitais por conteúdos considerados ilícitos publicados por usuários, alterando a interpretação do Marco Civil da Internet. O tribunal tem defendido que a internet não pode ser uma "terra sem lei" e que as empresas devem ter responsabilidade sobre o que é veiculado em suas plataformas, mesmo sem ordem judicial prévia para a remoção de certos conteúdos.
Essas medidas, embora justificadas pelo STF como essenciais para combater a desinformação, o discurso de ódio e a incitação a crimes, têm sido alvo de preocupação por parte das próprias Big Techs, que alegam incerteza jurídica e potencial impacto na liberdade de expressão e no ambiente de negócios no Brasil. Alguns críticos apontam que as ações do STF e de Moraes, ao exigir a remoção de conteúdo e o bloqueio de perfis, podem configurar censura e representar um risco à pluralidade de vozes no debate público, especialmente quando as decisões não são precedidas de amplo processo legislativo ou de critérios claros e objetivos.
Esse conjunto de fatores — a política externa mais autônoma do governo Lula e as decisões do STF sobre as plataformas digitais — é interpretado por Washington como um distanciamento estratégico e um desafio à tradicional proximidade entre os dois países, marcando um novo capítulo na dinâmica diplomática bilateral, que pode incluir, inclusive, retaliações comerciais como já sugerido por figuras como Donald Trump.
Analistas apontam que a decisão de Trump, embora prejudicial economicamente, é uma jogada política calculada. Ela serve tanto para pressionar o governo brasileiro em relação ao tratamento dado a Bolsonaro e às big techs, quanto para agradar sua base eleitoral interna, que vê com bons olhos uma postura de força contra nações que considera desalinhadas aos interesses americanos. Para o Brasil, e por consequência para Rondônia, o episódio deixa claro que, no cenário geopolítico atual, as relações comerciais estão cada vez mais vulneráveis às instabilidades e aos embates políticos.
Redação Diário O Norte