Bope comprou 20 fuzis de precisão produzidos por empresa sediada na Geórgia
Policiais militares fazem patrulha durante protestos contra operação policial no Rio de Janeiro
Foto: REUTERS/Jorge Silva
O governo dos Estados Unidos aprovou uma venda de fuzis de precisão para o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) do Rio de Janeiro, no ano passado, ignorando as preocupações da embaixadora dos EUA e de outros diplomatas de que as armas poderiam ser usadas em execuções, de acordo com três autoridades atuais e antigas dos EUA e documentos vistos pela Reuters.
O Bope, força de operações especiais da Polícia Militar do Estado do Rio, desempenhou um papel central na operação da semana passada que deixou 121 pessoas mortas, incluindo quatro policiais. Essa ação foi condenada por defensores dos direitos humanos e especialistas das Nações Unidas.
O Bope comprou 20 fuzis de precisão produzidos pela Daniel Defense LLC, sediada no Estado norte-americano da Geórgia, em um acordo não anunciado em maio de 2023, segundo documentos internos da polícia do Rio vistos pela Reuters. As armas não foram recebidas até 2024, em meio a um debate dentro do Departamento de Estado dos EUA sobre a adequação da venda, de acordo com documentos internos da polícia do Rio e do Departamento de Estado norte-americano.
Sob a legislação dos EUA, as exportações de armas normalmente precisam ser aprovadas pelo governo. Embora o Departamento de Comércio geralmente emita a licença final, o Departamento de Estado desempenha um papel fundamental no processo.
Elizabeth Bagley, então embaixadora dos EUA no Brasil, se opôs ao acordo, assim como alguns diplomatas que trabalham com direitos humanos e questões de segurança, de acordo com um memorando do Departamento de Estado de janeiro de 2024 visto pela Reuters. Esse memorando descreve o Bope como "uma das unidades policiais mais notórias do Brasil no que diz respeito a assassinatos de civis".
A polícia do Rio foi responsável por 703 assassinatos no ano passado, segundo dados oficiais consolidados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A Reuters não conseguiu determinar se os fuzis de precisão fabricados nos EUA foram usados pelo Bope na operação da semana passada.
O Bope também comprou supressores para os fuzis, que foram produzidos pela Griffin Armament, sediada no Estado norte-americano de Wisconsin, mas o envio dos supressores foi inicialmente bloqueado pelo governo dos EUA, de acordo com os documentos e as fontes. A Reuters não conseguiu determinar se os supressores foram finalmente enviados em uma data posterior, embora o Departamento de Estado tenha dado a entender que não.
"As políticas externas desastrosas do governo anterior ajudaram e incentivaram as gangues mais violentas do nosso hemisfério", disse porta-voz do Departamento de Estado à Reuters.
"No ano passado, o Departamento de Estado de Biden negou equipamentos defensivos essenciais a parceiros de segurança confiáveis no Brasil, enquanto pedia a eles que protegessem o presidente Biden durante sua viagem ao Rio em 2024. No interesse de um hemisfério mais seguro, continuamos comprometidos em garantir que nossos parceiros tenham o que precisam para combater criminosos cruéis."
O ex-presidente Joe Biden visitou o Brasil no final de 2024 para participar da cúpula do G20 daquele ano.
AUTORIDADE DE TRUMP DEFENDEU VENDA
A compra de cerca de US$150.000 não foi a primeira do gênero feita pelo Bope. A unidade havia importado com sucesso pelo menos 800 fuzis fabricados nos EUA no passado, de acordo com documentos do Departamento de Estado. Mas uma série de incursões mortais envolvendo o batalhão nos últimos anos mudou o cálculo de alguns diplomatas, segundo as autoridades e os documentos.
Entre os apoiadores mais fervorosos da transação estava Ricardo Pita, na época a principal autoridade de política da América Latina no Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, afirmaram duas autoridades dos EUA que pediram anonimato para descrever as deliberações internas.
Pita é agora assessor sênior para Assuntos do Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado. Nessa função, o venezuelano Pita se reuniu em maio com o ex-presidente Jair Bolsonaro, um aliado de Trump que tem sido um defensor declarado do trabalho do Bope.
A Daniel Defense, a Griffin Armament, a polícia do Rio e o governo do Estado do Rio não responderam aos pedidos de comentários, nem o Departamento de Comércio dos EUA.
DIPLOMATAS SE OPUSERAM AO ACORDO
Em meados de 2024, Pita, que não respondeu a um pedido de comentário, visitou uma instalação do Bope no Rio como parte de uma delegação de representantes do Congresso dos Estados Unidos, disseram as autoridades. A visita irritou alguns diplomatas, pois o Departamento de Estado norte-americano sempre citou a polícia do Rio em documentos públicos por supostas violações de direitos humanos.
Mais tarde naquele ano, Pita pressionou os diplomatas para liberar a venda dos supressores que acompanhavam os fuzis, acrescentaram as autoridades. Elas disseram que ficaram surpresas com a persistência com que Pita pressionou pela venda, já que isso representava uma pequena parte de seu portfólio, que em teoria se estendia da fronteira EUA-México até a Patagônia.
Depois de ingressar no Departamento de Estado, Pita começou a perguntar internamente entre os funcionários do Departamento de Estado quais diplomatas haviam se oposto à transação, disseram duas das autoridades.
Algumas autoridades do Departamento de Estado apoiaram a venda.
Essas transações normalmente são aprovadas, em parte porque os departamentos de polícia estrangeiros geralmente obtêm armas de outro país quando são rejeitadas pelos EUA, disseram várias autoridades familiarizadas com processos de venda semelhantes. O Bope também é a principal força brasileira encarregada de proteger o consulado dos EUA no Rio, caso ele seja atacado, disseram as autoridades.
UNIDADE POLICIAL POPULAR NO RIO
O trabalho do Bope é amplamente popular entre os moradores do Rio. Uma pesquisa nacional realizada pela AtlasIntel, publicada na sexta-feira, mostrou que 55% dos brasileiros manifestaram apoio à operação policial da semana passada. Entre os moradores do Estado do Rio, o apoio foi de 62%. Os policiais do Rio perderam 55 colegas por mortes violentas no ano passado, de acordo com dados oficiais consolidados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ainda assim, especialistas independentes têm criticado com frequência o histórico de direitos humanos do Bope, e a polícia do Rio, em geral, tem sido constantemente alvo de críticas nos relatórios anuais de direitos humanos do Departamento de Estado dos EUA sobre o Brasil.
"Havia um padrão persistente de impunidade para as operações policiais (no Rio), que muitas vezes resultava em fatalidades significativas, acusações de força excessiva, execuções extrajudiciais e negação de atendimento médico para suspeitos feridos", dizia o relatório de 2023.
Um memorando do Departamento de Estado dos EUA de janeiro de 2024 recomendando a não venda de armas observou que o Bope estava envolvido na morte de 23 pessoas em um único incidente em 2022. Esse evento -- conhecido como "chacina da Vila Cruzeiro" -- fez com que alguns diplomatas não aprovassem a venda, embora o batalhão tenha recebido armas dos EUA no passado, disse uma autoridade.
Havia também a preocupação de que as armas destinadas a combater o crime pudessem ser usadas para fins criminosos, acrescentou a autoridade. No ano passado, promotores abriram um processo contra alguns oficiais do Bope por seus vínculos com milícias, que comandam esquemas de extorsão em toda a cidade.
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/eua-venderam-fuzis-de-precisao-para-bope-do-rio-no-ano-passado,f73f3519b3f91b01b75cbea993508eaejjqn21qn.html?utm_source=clipboard
Pita é agora assessor sênior para Assuntos do Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado. Nessa função, o venezuelano Pita se reuniu em maio com o ex-presidente Jair Bolsonaro, um aliado de Trump que tem sido um defensor declarado do trabalho do Bope.
A Daniel Defense, a Griffin Armament, a polícia do Rio e o governo do Estado do Rio não responderam aos pedidos de comentários, nem o Departamento de Comércio dos EUA.
DIPLOMATAS SE OPUSERAM AO ACORDO
Em meados de 2024, Pita, que não respondeu a um pedido de comentário, visitou uma instalação do Bope no Rio como parte de uma delegação de representantes do Congresso dos Estados Unidos, disseram as autoridades. A visita irritou alguns diplomatas, pois o Departamento de Estado norte-americano sempre citou a polícia do Rio em documentos públicos por supostas violações de direitos humanos.
Mais tarde naquele ano, Pita pressionou os diplomatas para liberar a venda dos supressores que acompanhavam os fuzis, acrescentaram as autoridades. Elas disseram que ficaram surpresas com a persistência com que Pita pressionou pela venda, já que isso representava uma pequena parte de seu portfólio, que em teoria se estendia da fronteira EUA-México até a Patagônia.
Depois de ingressar no Departamento de Estado, Pita começou a perguntar internamente entre os funcionários do Departamento de Estado quais diplomatas haviam se oposto à transação, disseram duas das autoridades.
Algumas autoridades do Departamento de Estado apoiaram a venda.
Essas transações normalmente são aprovadas, em parte porque os departamentos de polícia estrangeiros geralmente obtêm armas de outro país quando são rejeitadas pelos EUA, disseram várias autoridades familiarizadas com processos de venda semelhantes. O Bope também é a principal força brasileira encarregada de proteger o consulado dos EUA no Rio, caso ele seja atacado, disseram as autoridades.
UNIDADE POLICIAL POPULAR NO RIO
O trabalho do Bope é amplamente popular entre os moradores do Rio. Uma pesquisa nacional realizada pela AtlasIntel, publicada na sexta-feira, mostrou que 55% dos brasileiros manifestaram apoio à operação policial da semana passada. Entre os moradores do Estado do Rio, o apoio foi de 62%. Os policiais do Rio perderam 55 colegas por mortes violentas no ano passado, de acordo com dados oficiais consolidados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ainda assim, especialistas independentes têm criticado com frequência o histórico de direitos humanos do Bope, e a polícia do Rio, em geral, tem sido constantemente alvo de críticas nos relatórios anuais de direitos humanos do Departamento de Estado dos EUA sobre o Brasil.
"Havia um padrão persistente de impunidade para as operações policiais (no Rio), que muitas vezes resultava em fatalidades significativas, acusações de força excessiva, execuções extrajudiciais e negação de atendimento médico para suspeitos feridos", dizia o relatório de 2023.
Um memorando do Departamento de Estado dos EUA de janeiro de 2024 recomendando a não venda de armas observou que o Bope estava envolvido na morte de 23 pessoas em um único incidente em 2022. Esse evento -- conhecido como "chacina da Vila Cruzeiro" -- fez com que alguns diplomatas não aprovassem a venda, embora o batalhão tenha recebido armas dos EUA no passado, disse uma autoridade.
Havia também a preocupação de que as armas destinadas a combater o crime pudessem ser usadas para fins criminosos, acrescentou a autoridade. No ano passado, promotores abriram um processo contra alguns oficiais do Bope por seus vínculos com milícias, que comandam esquemas de extorsão em toda a cidade.
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/eua-venderam-fuzis-de-precisao-para-bope-do-rio-no-ano-passado,f73f3519b3f91b01b75cbea993508eaejjqn21qn.html?utm_source=clipboard
