Lúcio Albuquerque, repórter
Assisti ao vídeo “História de Porto Velho” umas cinco vezes, não que eu estivesse buscando erros, mas apenas para não cometer injustiças. Inclusive para com a história. Foi na narração que eu soube um absurdo, dentre outros do texto, o ter sido a Bolívia “o país “cabeceador” da construção” (da ferrovia, suponho).
Foi a primeira vez que ouvi tal citação – eu e outros que conhecem bem nossa história.
E vamos em frente. Foi novidade saber que Porto Velho era um “distrito de Humaitá”. Éramos da Comarca de Humaitá. A diferença é abissal!
“Do lado esquerdo da avenida Divisória (atual Presidente Dutra) moravam os brasileiros que cresceram de forma espontânea”. Pelo texto quem cresceu de “forma espontânea” foram os brasileiros. Bom, a sugestão é citar que a cidade foi que “cresceu de forma espontânea”, mas não os “moradores”.
Antes de seguir é bom citar o historiador Francisco Matias, que sempre lembrava que Porto Velho só passara à condição de “cidade” em 1919. Há mais: “Só em 1931 foi que a Bolívia entregou a ferrovia ao Brasil”. É mais uma afirmação errônea: a Bolívia não entregou nada em razão de que a estrada não era dela, disse um importante historiador.
Seguindo (até por quê a sequência vem com dois erros graves, um deles comum quando o nome do capitão Aluízio Ferreira é citado sobre a EFMM). “E o novo administrador do local, Aluízio Ferreira, decidiu nacionalizar a obra e integrar novamente a cidade”.
Aluísio Ferreira não tinha poder para nacionalizar nada
Inicialmente a questão de “nacionalizar”. Aluízio era a única liderança local à época. Em 1931 o consórcio que explorava a ferrovia (que não tinha como sócio a Bolívia, decidiu ir embora). Sobre o assunto sugiro meu livro “A Cesta página de um repórter”, onde narro fato contado pelos historiadores Esron Menezes e Abnael Machado sobre como Aluízio, personagem a quem Rondônia deve muito, enganou os “gringos”, o que permitiu a intervenção do governo brasileiro.
Primeiro brasileiro nomeado diretor da Madeira-Mamoré, Aluízio passou a ser chamado pelos seus aliados daqui de “nacionalizador da EFMM”. Que poder ele tinha para “nacionalizar” a ferrovia? A EFMM era um bem nacional desde sua implantação. Havia um contrato de concessão, o que não tornava o concessionário seu proprietário.
Manoel Rodrigues Ferreira, desmistificou uma nacionalização que não aconteceu.
Manoel R. Ferreira, que desmestificou a Nacionalização atribuída a Aluizio
Manoel Rodrigues Ferreira, cujo livro “Ferrovia do diabo” é tido por muitos como a “bíblia”, quando o assunto seja a Madeira-Mamoré, em 1981 num seminário realizado num galpão da ferrovia, lembrou que “nacionalizar é tornar nacional”. E que o fato de Aluízio ter sido o primeiro diretor-geral não o fez “nacionalizador”.
Houve reclamações, mas quem reclamou não teve argumentos para contrapor.
Sobre o vídeo, ouvi muita gente, e a impressão é que há tantos absurdos que o melhor seria a prefeitura mandar tirar a peça do ar, com um pedido de desculpas. Um dos que ouvi disse ter procurado a Comunicação da prefeitura e ouvido que fora feita uma reunião e decidido manter como estava.
Outro fator: consulta feita sobre “nacionalizar” teve, nas duas vezes que consultei, a mesma resposta: quem tem poder para nacionalizar algo no país é o presidente da República. No caso da Madeira-Mamoré, o então presidente Getúlio Vargas.
Ao final da mídia da prefeitura, a apresentadora sugere a quem assistiu “...fiquem ligados porque, logo mais, eu trago outras curiosidades sobre a nossa capital.”
Tenho dois temores, o primeiro é que tais “outras novidades” venham cheias de absurdos como essa aí.
O segundo, e muito mais grave, é que estudantes vejam o vídeo e acreditem piamente em tudo que ela disse, como ainda há muitos que creem ser verdadeiro outro absurdo, “cada dormente é um homem morto na construção da ferrovia”.



