Pesquisa aponta que 34% que querem fazer faculdade terão que parar de apostar nas bets para pagar os estudos

A promessa de ganhos fáceis e a adrenalina de um jogo virtual têm conquistado milhões de brasileiros, mas o que poucos enxergam é o preço que se paga por essa ilusão. As apostas online, conhecidas como bets ou “jogos do tigrinho”, estão consumindo as possibilidades de futuro e melhoria de vida e atingiram uma das mais importantes oportunidades de ascensão social: o acesso ao ensino superior.
A pesquisa “O impacto das Bets 2”, da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), em parceria com o Educa Insights, revela número preocupantes: 34% dos brasileiros interessados em entrar na faculdade particular em 2025 afirmaram que teriam de parar de apostar para conseguir pagar os estudos. Apesar da regulamentação, o cenário não melhorou significativamente. Em setembro de 2024, quando foi realizada a primeira edição do levantamento, o índice era de 42%.
O diretor geral da entidade, Paulo Chanan, destaca que o fenômeno das apostas online vem sendo observado com atenção desde o ano passado, especialmente pelo crescimento da prática entre os jovens de 18 a 35 anos, público-alvo das faculdades privadas. “Por ora, entendemos que esse é apenas mais um obstáculo em meio a tantos que dificultam o acesso de estudantes à graduação. Acreditamos que o momento é de seguirmos atentos e de estimular que sociedade e governo se unam no debate sobre como preparar a população para lidar de forma consciente com essa prática, bem como sobre as responsabilidades envolvidas.”
No Centro-Oeste os impactos são proporcionalmente menores, ainda assim chamam a atenção: 18% dos jovens afirmaram não conseguir começar a graduação no primeiro semestre de 2025 porque o dinheiro está comprometido com apostas. Para o segundo semestre deste ano, o percentual cai para 14%. Mesmo sendo os menores índices do país, estamos falando de milhares de vidas paralisadas nos caça-níqueis da palma das mãos.
O valor médio investido em apostas na região Centro-Oeste é de R$ 564, o menor entre as regiões brasileiras, mas significativo o suficiente para inviabilizar um curso, uma mensalidade, um sonho. Em Goiás, o custo médio das mensalidades é de R$ 375, segundo dados da própria Educa Insights.
Renda comprometida, escolhas adiadas
A maioria dos apostadores identificados pela ABMES/Educa é formada por homens de 26 a 35 anos, das classes B e C (renda familiar entre R$ 4 mil e R$ 13 mil), trabalhadores, com filhos, que cursaram o ensino médio em escolas públicas. Se, por um lado, essas pessoas sonham com uma profissão, capacitação e estabilidade, por outro, está presa à promissora ilusão do dinheiro rápido, que mais drena do que impulsiona. Confundem diversão com investimento e caem na armadilha digital do marketing agressivo – associado a mulheres bonitas e futebol, linguagem acessível e promessas de vida fácil.
O estudo aponta que 52% dos entrevistados apostam regularmente, sendo que a maioria compromete até 5% da renda mensal com a prática. Parece pouco, mas quando somado ao aumento de custos de vida, transporte, alimentação e à falta de planejamento financeiro, esse percentual vira um peso considerável que ameaça não só o bolso, mas também a saúde mental e as relações com família e amigos.
Nas classes D e E (com renda familiar é de até R$ 1 mil), mais vulneráveis, 24% ultrapassam 10% da renda com apostas. O resultado aparece em outros indicadores: 14% dos matriculados em faculdades particulares atrasaram mensalidades ou trancaram os cursos devido aos gastos com apostas. “A liberação dos jogos on-line e a dimensão do fenômeno ainda são muito recentes no país, então eu estaria sendo precipitado se dissesse que o setor [particular de ensino superior] tem algo estruturado para esse cenário. Inclusive, em geral, os alunos que pedem renegociação de mensalidades atrasadas não dizem abertamente que comprometeram parte dos seus recursos com os jogos”, comenta Chanan, que afirmou que os alunos acabam aderindo a negociações corriqueiras para atualizar os débitos.
E outro dado chama a atenção, quase 1 milhão de potenciais ingressantes na educação superior privada podem não efetivar a matrícula no início de 2026 devido ao comprometimento financeiro com apostas. Muitos nem chegam na faculdade e outros, não conseguem se manter.
Conta que não fecha
Ao serem questionados sobre o retorno financeiro das apostas, 77% dos participantes da pesquisa da ABMES/Educa afirmaram que conseguiram recuperar os valores investidos e, por isso, continuam apostando. Isso porque o apelo emocional de que se trata de um investimento é alto e muitas vezes está associado à falta de outras perspectivas de ganho no presente.
Outra pesquisa reforça o alerta para um problema que pode ser considerado de saúde pública: 30% dos brasileiros que contrataram empréstimos bancários no período entre setembro de 2023 e 2024 utilizaram o valor, total ou parcialmente, para fazer apostas online, segundo pesquisa da fintech Klavi. A média de apostas desse público foi de R$ 1,1 mil, mas existiram casos de valores bem mais altos, de R$ 4 mil a R$ 50 mil.
Entre os 5 mil correntistas pesquisados, 64% recebem entre um e três salários-mínimos e 40% têm carteira assinada. Na mesma época em que a pesquisa foi divulgada, o Banco Central revelou que R$ 3 bilhões foram transferidos por beneficiários do Bolsa Família para plataformas de apostas (agosto de 2024), afetando inclusive políticas públicas de transferência de renda. Vale lembrar que, em junho, foram repassados, em média, R$ 666 por família, no universo de 20,49 milhões de famílias beneficiadas.
Regulamentação não freou as apostas
Com as primeiras pesquisas sobre o impacto desastroso na vida dos apostadores realizadas por diversos setores econômicos, o Governo Federal acelerou o processo de regulamentação junto ao Congresso Nacional e a Lei 14.790/2023 entrou em vigor em janeiro. Se a intenção era frear o descontrole e os enormes gastos, a medida fracassou, mas criou algumas barreiras.
Sob a legislação, as plataformas exigem maior idade, CPF e identificação facial, conta própria para as transações de depósito e saque, proíbe cartão de crédito e qualquer outra fonte de recursos pós-pago, e precisam disponibilizar a funcionalidade de limitação de valores e tempo dos jogos. Além disso, a regulamentação provocou o bloqueio de mais de 2 mil sites ilegais, passou a taxar as empresas sobre os montantes apostados, definiu regras para publicidade – ainda bem incipientes – e de incentivo à educação por um jogo responsável.
O acesso às bets é fácil, o controle é frágil e a legislação ainda não pegou como deveria. Enquanto isso, milhares de jovens e adultos estão comprometendo seu futuro por poucos minutos de ilusão e alguma diversão.
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